Mulheres : Somatório e Compromisso de Lutas

Mulheres, somatório e compromisso de lutas: 

Por Elisângela Coêlho da Silva

 Me reconheço uma mulher negra carregando, em minha própria existência, o somatório de existência e resistência de minhas ancestrais. Sou resultado dos inconformismos, das lutas, enfrentamentos e desobediências de todas elas. Neste país de estrutura patriarcal e racista minhas avós, tias e mãe têm histórias muito marcadas pelos sofrimentos, opressões e todas as interseccionalidades que cruzaram essas mulheres originárias do campo e de ascendência negra e indígena. A falta de oportunidades esteve também relacionada a dificuldade de acesso a educação. De modo que assistir ao premiado curta-metragem do diretor Márcio Ramos intitulado VIDA DE MARIA, remeteu-me a história das Marias da minha própria família.

Apenas na minha família materna encontro uma única tia, a Maria de Lourdes, caçula de quatro irmãs que rompe o ciclo da falta de acesso à educação, conseguindo formação profissional e curso superior. Sua oportunidade de estudo resulta, no entanto, da rebelião de suas três irmãs mais velhas que confrontaram meus avós, exigindo que a caçula não fosse abrigada ao trabalho, podendo assim se dedicar aos estudos.

Minha mãe, Maria da Conceição, estando entre as três mais velhas não teve garantida para si tal oportunidade. Seu sonho de estudar e se tornar professora não pode ser realizado. De modo que foi empregada doméstica, costureira, operária... Com poucas e curtas experiências de carteira de trabalho assinada e direitos trabalhistas garantidos. Dedicando-se enfim a educação dos cinco filhos. Crescemos aprendendo o seu gosto pelo estudo e vendo-a projetar para a prole seus sonhos interrompidos.

Essa mulher a quem a vida negou as oportunidades que lhes eram de direito, comprometeu-se com muito fortemente com a nossa educação, fazendo tudo que esteve ao seu alcance para nos garantir as oportunidades de estudo que ela própria não teve. Responsável por minha autoestima intelectual. Convencendo-me, desde a mais tenra idade, do quão inteligente e capaz eu era. Recebi como herança o seu gosto pelo estudo e desafio intelectual e, sobretudo, a consciência de outras antes de mim não tiveram essa oportunidade. Certamente por isso sempre estudei com muito gosto. Compreendendo cada degrau como conquista.

Dificuldades foram muitas. Pedras no caminho... incontáveis. Mas sempre tivemos a força de minha como suporte. Eu e minha irmã seguimos a carreira de professora, como escolha, opção consciente. No Ensino Superior fiz Licenciatura em História. E dessa vez, a escolha do curso foi influenciada por outra mulher negra, a professora Mercês Costa. Foi com ela que percebi que o exercício da profissão poderia e deveria estar associado ao compromisso com a sociedade que queremos construir e essa consciência tem direcionado e dado sentido ao meu trabalho diário em sala de aula.

Me reconhecer como uma professora negra significou obviamente aguçar a sensibilidade para o desafio das questões raciais e de gênero no ambiente escolar. Mas aprendi que sensibilidade apenas não resolveria o problema, não me ajudaria na construção de intervenções educativas. A necessidade de formação de uma barragem intelectual e de um referencial teórico para o trabalho pedagógico com esses temas sensíveis fez a professora se tornar pesquisadora.

E, consequentemente, ser a primeira pessoa da minha família a cursar um Mestrado. Para o PROFHISTÓRIA (Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História) levo a temática da Educação das Relações Étnico-Raciais e dos Direitos Humanos e o referencial teórico dos Estudos Pós-Coloniais que marcam a minha produção acadêmica. Destinada a ajudar outros professores e professoras de História do Ensino Médio, modalidade na qual atuo como professora, no trabalho com as referidas temáticas.

Como historiadora, pesquisadora e educadora negra busco assumir o compromisso com as minhas ancestrais, mas sobretudo com as futuras gerações, com a juventude e sua educação para a construção da sociedade que desejamos. Na qual a diversidade não rime com opressões e desigualdades.

Sigo comprometida com as lutas, existências e resistências de todas as mulheres negras que afirmaram e reafirmaram a diversidade de tonalidades e as interseccionalidades da luta das mulheres. Para que unidas possamos fortalecer a luta das mulheres de todas as cores, de todos os tons, todos os credos, de todas as orientações, de todos os gostos.




Curta-metragem Vida Maria 

Texto: Prof. Mestre Elisângela C.


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