Reflexões Adilsonianas

Reflexões Adilsonianas Sobre A Visão na modernidade

A visão tornou-se historicamente o sentido mais importante para homens e mulheres que vivem sob a luz escaldante da modernidade.  Na maioria das vezes o ato de ver tem sido condição sine qua non para quem busca produzir conhecimento ou para certas verdades advindas de operações cognitivas-visuais. A filosofia e ciência modernas estão profundamente marcadas pela supremacia do olhar.
 O Iluminismo traz na sua raiz etimológica a ideia de luz, luminosidade, clareza em oposição às “trevas” da ignorância. A observação está no centro de todas as ciências, mas não de todas as artes e crenças.
Para a arte musical o ouvido é o sentido fundamental. Mas as crenças, a poesia e até a própria música tornaram-se condicionadas pela visão. Assim, logo se cria o pressuposto: Se eu vejo, posso gostar, sentir e saber.
S visão passa a ser a medida para quase todas as coisas. Tudo fica fetichizado pela economia  do olhar. O olhar, na modernidade, aciona incessantemente o desejo de desejar. Os objetos para terem significado e valor  prescindem cada vez mais da economia do olhar e do discurso. Daí a televisão, a publicidade e o marketing serem tão valorizados na trama das sociedades ditas modernas e globalizadas. Mas esta história da força da visão na constituição e legitimação de saberes, verdades e expressões do belo e do ético aparecera primeiramente na Grécia clássica. A estética da existência grega colocou a visão (Oida em grego e videre em latim) como essencial para a elucidação de questões presentes na vida dos seres humanos.
O nascimento da história, com Heródoto e Tucídides (vide François Hartog), a filosofia e arte clássicas com suas ideias, pinturas e esculturas antropocêntricas são a expressão de uma sociedade que começava a cultivar a força do olhar.  E a civilização ocidental por efeito de herança e das suas próprias idiossincrasias aprofundou tal situação ao máximo, ao ponto de figuras como Michel de Certeau falar em cancerização do olhar (In. A invenção do Cotidiano, vol 1)  e Guy Debord conceituar a sociedade moderna, na década de 60, como uma “sociedade do espetáculo”, devido ao seu talento de Midas para transformar imagem, ou seja, aquilo que se vê em  desejo, verdade, dinheiro e poder.
No belo livro Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago vemos de maneira metafórica o sofrimento de uma sociedade que perdeu a visão, e de como isto afetou radicalmente as estruturas e subjetividades humanas nos seus mais variados aspectos.
Tal episódio nos mostra os limites da visão moderna, isto é, da verdadeira cegueira humana, que capta somente os indivíduos pela sua aparência, ostentação, excesso, riqueza, conhecimento e poder. Perder a visão convencional exigiu-lhes acionar e desenvolver os demais sentidos para ver outras imagens que não poderiam mais ser captadas pelos enquadramentos da retina.  Imagens que se encontram logo abaixo da casca fina que nos envolve socialmente. Trata-se de imagens fertilizadas por uma forma de saber mais densa e  generosa do que o conhecimento que nós é ofertado pela lógica do sistema capitalista. A sabedoria e o amor não nascem e nem se legitimam  a partir da cabeça de Zeus, como Atenas e seus filhos contemporâneos.
Ela brota de todos os sentidos. Por isso falarmos numa sabedoria corpórea, gastronômica, tátil, olfativa e escutatória que se expressa mais em sabores, cheiros, gestos, sons, afetos e palavras. Nesta  perspectiva o cego teria uma visão privilegiada.

Texto: Prof. Doutor José Adilson Filho




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